EDUARDO PITTA - CUNHAL. OS ANOS DE CHUMBO
(No Da Literatura)
Quem gosta de biografias conhece os protocolos atinentes. As melhores (quero eu dizer: as de escrutínio minucioso) raramente primam por uma escrita exaltante. O inventário dos detalhes e a exigência de rigor histórico não se coadunam com assomos de liberdade criativa. Exemplos? As obras de Martin Gilbert e Robert Dallek sobre, respectivamente, Churchill e Kennedy. Cito-as por serem paradigmáticas e por estarem ambas traduzidas em Portugal. Vem isto a propósito da recente publicação do terceiro volume da biografia de Álvaro Cunhal, obra do historiador José Pacheco Pereira (n. 1949). Um leitor desapaixonado intui o óbvio: quando estiver concluída, esta biografia constituirá, de facto, uma história do Partido Comunista Português. Em momento algum o enfoque no líder desaparecido restringe o campo de análise. Discurso directo: «Não é possível escrever uma biografia de Cunhal sem ao mesmo tempo interpretar a história do PCP e, no seu sentido mais lato, da oposição ao regime ditatorial.» O livro abre com a prisão de Cunhal, no Luso, em Março de 1949, e termina com a sua fuga da cadeia do Forte de Peniche, em Janeiro de 1960. Seccionado em várias áreas temáticas, este terceiro volume permite um exaustivo tour d’horizon: prisão, julgamento, desenhos e leituras, Cinco Dias, Cinco Noites; os imbróglios do Secretariado; traidores, expulsões, assassinatos; a campanha de Ruy Luís Gomes; a purga dos intelectuais; o jornal LER e a revista Vértice; as greves e jornadas de luta; a morte de Staline; a marca de Fogaça; o impacto do XX Congresso do PCUS; a ocupação soviética da Hungria; o congresso clandestino de São João do Estoril, em 1957; o comunismo nas colónias (muito interessantes as onze páginas dedicadas a Moçambique); o «caso» Delgado; a fuga. O volume inclui quatro índices: o geral, o remissivo, o das siglas, e o de pseudónimos e nomes falsos. Ficamos a saber que Mário Soares foi «Fontes»; Óscar Lopes terá sido «Queiroz»; etc. Abundante iconografia em tom sépia (retratos, fotografias, reproduções de pintura, listagens) dá a cor de época. Por razões fáceis de compreender, «passam» nestas 748 páginas inúmeros escritores e artistas: Abel Salazar, Alves Redol, António José Saraiva, Fernando Lopes-Graça, Ferreira de Castro, José Régio (com quem Cunhal polemicou), Júlio Pomar, Manuel da Fonseca, Maria Lamas, Mário Sacramento, Natália Correia, Nikias Skapinakis, Soeiro Pereira Gomes, Papiniano Carlos, Urbano Tavares Rodrigues, etc. Não sei se, como diz Soares na contracapa, esta biografia ficará «a ombrear com a monumental e clássica trilogia sobre Trotski de Isaac Deutscher», porque nunca a li, mas uma coisa sei: Álvaro Cunhal. Uma Biografia Política é uma obra de referência incontornável (passe o chavão). A ler, absolutamente.
(Eduardo Pitta)
Quem gosta de biografias conhece os protocolos atinentes. As melhores (quero eu dizer: as de escrutínio minucioso) raramente primam por uma escrita exaltante. O inventário dos detalhes e a exigência de rigor histórico não se coadunam com assomos de liberdade criativa. Exemplos? As obras de Martin Gilbert e Robert Dallek sobre, respectivamente, Churchill e Kennedy. Cito-as por serem paradigmáticas e por estarem ambas traduzidas em Portugal. Vem isto a propósito da recente publicação do terceiro volume da biografia de Álvaro Cunhal, obra do historiador José Pacheco Pereira (n. 1949). Um leitor desapaixonado intui o óbvio: quando estiver concluída, esta biografia constituirá, de facto, uma história do Partido Comunista Português. Em momento algum o enfoque no líder desaparecido restringe o campo de análise. Discurso directo: «Não é possível escrever uma biografia de Cunhal sem ao mesmo tempo interpretar a história do PCP e, no seu sentido mais lato, da oposição ao regime ditatorial.» O livro abre com a prisão de Cunhal, no Luso, em Março de 1949, e termina com a sua fuga da cadeia do Forte de Peniche, em Janeiro de 1960. Seccionado em várias áreas temáticas, este terceiro volume permite um exaustivo tour d’horizon: prisão, julgamento, desenhos e leituras, Cinco Dias, Cinco Noites; os imbróglios do Secretariado; traidores, expulsões, assassinatos; a campanha de Ruy Luís Gomes; a purga dos intelectuais; o jornal LER e a revista Vértice; as greves e jornadas de luta; a morte de Staline; a marca de Fogaça; o impacto do XX Congresso do PCUS; a ocupação soviética da Hungria; o congresso clandestino de São João do Estoril, em 1957; o comunismo nas colónias (muito interessantes as onze páginas dedicadas a Moçambique); o «caso» Delgado; a fuga. O volume inclui quatro índices: o geral, o remissivo, o das siglas, e o de pseudónimos e nomes falsos. Ficamos a saber que Mário Soares foi «Fontes»; Óscar Lopes terá sido «Queiroz»; etc. Abundante iconografia em tom sépia (retratos, fotografias, reproduções de pintura, listagens) dá a cor de época. Por razões fáceis de compreender, «passam» nestas 748 páginas inúmeros escritores e artistas: Abel Salazar, Alves Redol, António José Saraiva, Fernando Lopes-Graça, Ferreira de Castro, José Régio (com quem Cunhal polemicou), Júlio Pomar, Manuel da Fonseca, Maria Lamas, Mário Sacramento, Natália Correia, Nikias Skapinakis, Soeiro Pereira Gomes, Papiniano Carlos, Urbano Tavares Rodrigues, etc. Não sei se, como diz Soares na contracapa, esta biografia ficará «a ombrear com a monumental e clássica trilogia sobre Trotski de Isaac Deutscher», porque nunca a li, mas uma coisa sei: Álvaro Cunhal. Uma Biografia Política é uma obra de referência incontornável (passe o chavão). A ler, absolutamente.
(Eduardo Pitta)
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