António Vilarigues - OS EQUÍVOCOS DE PACHECO PEREIRA
No Público de 2/1/2006
"A contestação da classe operária como a única classe verdadeiramente revolucionária, a contestação da sua missão histórica como coveira do capitalismo e criadora da sociedade socialista, a contestação do partido do proletariado de tipo leninista, tornam-se pontos centrais da ideologia e da actividade do radicalismo pequeno burguês de "opção socialista"".
(...) "No plano político, em vez do estudo objectivo e científico dos fenómenos sociais (possível somente na base do marxismo-leninismo), manifesta-se o subjectivismo, a tomada da parte como todo, a tomada de aspectos superficiais, derivados, acidentais e episódicos do desenvolvimento social como se fosse a raiz dos acontecimentos ou a força motora dos processos".
Estas palavras foram escritas por Álvaro Cunhal em Novembro de 1970. E publicadas clandestinamente em 1971 no livro Radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista. Dirigiam-se, entre outros, ao então "revolucionário" marxista-leninista-estalinista-maoísta José Pacheco Pereira. Assentam que nem uma luva ao actual "historiador", militante do PPD/PSD e defensor do capitalismo, JPP.
Não cabe no âmbito deste artigo a resposta, ponto por ponto, ao que PP tem vindo a publicar sobre Álvaro Cunhal e o PCP. Por um lado, porque partilho a tese do Álvaro que "Deturpações e falsificações não merecem em geral desmentido." (in ob. cit.). Por outro, porque entendo que os escritos de PP não são o fim da história. Outros virão...
Os três volumes até agora publicados de Álvaro Cunhal: Uma Biografia Política, têm dado origem a numerosos elogios, nalguns casos desmedidos. São José Almeida e Miguel Portas, para não citar outros, conhecem da história do PCP e da dialéctica da história o suficiente para não serem tão categóricos quanto aos méritos em causa.
Não está em causa a qualidade literária. É sabido que algumas das maiores falsificações da história foram servidas em belas prosas. Veja-se, p. ex., Plutarco sobre Cleópatra.
Não está em causa a capacidade de trabalho. Não me consta que os ideólogos mais retrógrados e reaccionários fossem preguiçosos ou pouco diligentes.
Não está em causa o acesso a arquivos. Que aliás o episódio Suslov bem demonstra. Nos arquivos soviéticos não figuram as suas deslocações ao estrangeiro. E no entanto elas tiveram lugar!
Não estão em causa as fontes. Privilegia-se Vasco Carvalho e a PIDE? É uma opção que nem sequer é virgem.
O que está então em causa? Não é certamente a forma, que é de elevada qualidade.
A questão é de conteúdo. PP não utiliza o método dialéctico, mas sim o silogístico. Não parte da análise concreta da realidade concreta para as conclusões. Não distingue o essencial do secundário. O seu percurso é precisamente o inverso.
Para PP há uma série de teses por ele criadas de antemão que há que demonstrar obrigatoriamente:
- A História do PCP está por fazer. Por parte do PCP, o que existe é sobretudo hagiografia, pontuada por algumas histórias de santos, mártires e vitórias, e por isso mesmo cheia de ensurdecedoras lacunas (Luís Filipe Rocha dixit, mas podia ser PP).
- No PCP houve sempre luta pelo poder. Ela teria sido mesmo o fio condutor da sua actividade política.
- Dirigentes com capacidade só os de origem intelectual (Cunhal e Fogaça). Os outros eram meros tarefeiros.
- O papel da PIDE e da repressão durante o fascismo, nomeadamente no dia a dia dos comunistas, são questões secundárias. Ou quase.
- A verdade é só uma: o PCP não fala verdade. PP sim!
Os factos não correspondem, no essencial, a este esquema? Citemos de novo Álvaro Cunhal:
"Os teorizadores pequeno-burgueses fazem afinal como o maledicente da fábula, que, criticando o projecto de uma casa e pretendendo "provar" que a casa era par toupeiras e não para homens, escondeu que no projecto estavam indicadas largas janelas; e logo afirmou que os arquitectos eram uns utopistas ao indicarem janelas no projecto, pois as toupeiras jamais construiriam casa semelhante. Contra tais argumentos batatas!".
Como o biografado é Álvaro Cunhal deixemo-lo desmontar algumas das teses queridas a PP e que perpassam linearmente pelos 3 volumes:
Em Junho de 1971 a Revista Internacional publicou um artigo de AC "Algumas experiências de 50 anos de luta do PCP". PP certamente que o leu.
Nele se apontam as razões do êxito do PCP: partido operário; marxista-leninista; capacidade para se colocar à frente das lutas dos trabalhadores e das massas populares; criação e consolidação da organização clandestina; recurso a formas legais e semi-legais de organização e acção; ter forjado sucessivas gerações de militantes revolucionários; defensor do socialismo e da causa internacional da classe operária.
Mas em relação a todos estes pontos e a cada um deles Álvaro Cunhal aponta os erros cometidos. "Ilude-se e ilude os trabalhadores, qualquer partido que pretenda que nunca erra ou pretenda esconder os próprios erros.". E mais adiante "Na vida do nosso Partido pagámos caro alguns erros".
Segue-se uma extensa lista de erros de análise política, de trabalho conspirativo, de métodos de acção e de organização. Ao longo de 50 anos.
O texto escolhido foi este. Mas podia ter sido o Rumo à Vitória, A tendência anarco-liberal no trabalho de organização, os relatórios da actividade do CC ao III, ao IV ou ao VI Congresso. Neles se encontra sempre a mesma análise dialéctica: sucessos e erros, vitórias e derrotas, avanços e recuos, heróis e traidores. Hagiografia? Só para rir!
Das duas uma. Ou o retrato resumido de 50 anos de PCP elaborado por Álvaro Cunhal é uma falácia completa e uma mentira pegada, ou as coisas não se poderiam ter passado como PP nos que fazer crer. Ou ainda, dirão alguns, algures no meio é que está a verdade.
Luta pelo poder para quê?
O PCP era um partido clandestino. Perseguido pelo regime fascista e pela PIDE. Os seus dirigentes e militantes eram assassinados. Ou presos, torturados e condenados a longos anos de prisão. Quanto maior a responsabilidade maior a pena de prisão.
A alternativa era desistir da luta, denunciar camaradas, passar-se para o inimigo. Houve, obviamente, quem o fizesse.
Lê-se PP e fica sem se perceber onde ficava espaço, mesmo temporal, para organizar o PCP, a luta dos trabalhadores, as greves, as manifestações, a distribuição da imprensa clandestina, o derrube do fascismo. Seria apesar de? Especialista em sistemas de comunicação
NOTA: desconhecia a novel capacidade de Miguel Portas para o chavão fácil. Chamar estalinista à nota do Gabinete de Imprensa do PCP é tão anacrónico e redutor como chamar provocador a Pacheco Pereira por nas reuniões estudantis da Academia do Porto fazer discursos inflamados sem ir parar aos calabouços da PIDE.
"A contestação da classe operária como a única classe verdadeiramente revolucionária, a contestação da sua missão histórica como coveira do capitalismo e criadora da sociedade socialista, a contestação do partido do proletariado de tipo leninista, tornam-se pontos centrais da ideologia e da actividade do radicalismo pequeno burguês de "opção socialista"".
(...) "No plano político, em vez do estudo objectivo e científico dos fenómenos sociais (possível somente na base do marxismo-leninismo), manifesta-se o subjectivismo, a tomada da parte como todo, a tomada de aspectos superficiais, derivados, acidentais e episódicos do desenvolvimento social como se fosse a raiz dos acontecimentos ou a força motora dos processos".
Estas palavras foram escritas por Álvaro Cunhal em Novembro de 1970. E publicadas clandestinamente em 1971 no livro Radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista. Dirigiam-se, entre outros, ao então "revolucionário" marxista-leninista-estalinista-maoísta José Pacheco Pereira. Assentam que nem uma luva ao actual "historiador", militante do PPD/PSD e defensor do capitalismo, JPP.
Não cabe no âmbito deste artigo a resposta, ponto por ponto, ao que PP tem vindo a publicar sobre Álvaro Cunhal e o PCP. Por um lado, porque partilho a tese do Álvaro que "Deturpações e falsificações não merecem em geral desmentido." (in ob. cit.). Por outro, porque entendo que os escritos de PP não são o fim da história. Outros virão...
Os três volumes até agora publicados de Álvaro Cunhal: Uma Biografia Política, têm dado origem a numerosos elogios, nalguns casos desmedidos. São José Almeida e Miguel Portas, para não citar outros, conhecem da história do PCP e da dialéctica da história o suficiente para não serem tão categóricos quanto aos méritos em causa.
Não está em causa a qualidade literária. É sabido que algumas das maiores falsificações da história foram servidas em belas prosas. Veja-se, p. ex., Plutarco sobre Cleópatra.
Não está em causa a capacidade de trabalho. Não me consta que os ideólogos mais retrógrados e reaccionários fossem preguiçosos ou pouco diligentes.
Não está em causa o acesso a arquivos. Que aliás o episódio Suslov bem demonstra. Nos arquivos soviéticos não figuram as suas deslocações ao estrangeiro. E no entanto elas tiveram lugar!
Não estão em causa as fontes. Privilegia-se Vasco Carvalho e a PIDE? É uma opção que nem sequer é virgem.
O que está então em causa? Não é certamente a forma, que é de elevada qualidade.
A questão é de conteúdo. PP não utiliza o método dialéctico, mas sim o silogístico. Não parte da análise concreta da realidade concreta para as conclusões. Não distingue o essencial do secundário. O seu percurso é precisamente o inverso.
Para PP há uma série de teses por ele criadas de antemão que há que demonstrar obrigatoriamente:
- A História do PCP está por fazer. Por parte do PCP, o que existe é sobretudo hagiografia, pontuada por algumas histórias de santos, mártires e vitórias, e por isso mesmo cheia de ensurdecedoras lacunas (Luís Filipe Rocha dixit, mas podia ser PP).
- No PCP houve sempre luta pelo poder. Ela teria sido mesmo o fio condutor da sua actividade política.
- Dirigentes com capacidade só os de origem intelectual (Cunhal e Fogaça). Os outros eram meros tarefeiros.
- O papel da PIDE e da repressão durante o fascismo, nomeadamente no dia a dia dos comunistas, são questões secundárias. Ou quase.
- A verdade é só uma: o PCP não fala verdade. PP sim!
Os factos não correspondem, no essencial, a este esquema? Citemos de novo Álvaro Cunhal:
"Os teorizadores pequeno-burgueses fazem afinal como o maledicente da fábula, que, criticando o projecto de uma casa e pretendendo "provar" que a casa era par toupeiras e não para homens, escondeu que no projecto estavam indicadas largas janelas; e logo afirmou que os arquitectos eram uns utopistas ao indicarem janelas no projecto, pois as toupeiras jamais construiriam casa semelhante. Contra tais argumentos batatas!".
Como o biografado é Álvaro Cunhal deixemo-lo desmontar algumas das teses queridas a PP e que perpassam linearmente pelos 3 volumes:
Em Junho de 1971 a Revista Internacional publicou um artigo de AC "Algumas experiências de 50 anos de luta do PCP". PP certamente que o leu.
Nele se apontam as razões do êxito do PCP: partido operário; marxista-leninista; capacidade para se colocar à frente das lutas dos trabalhadores e das massas populares; criação e consolidação da organização clandestina; recurso a formas legais e semi-legais de organização e acção; ter forjado sucessivas gerações de militantes revolucionários; defensor do socialismo e da causa internacional da classe operária.
Mas em relação a todos estes pontos e a cada um deles Álvaro Cunhal aponta os erros cometidos. "Ilude-se e ilude os trabalhadores, qualquer partido que pretenda que nunca erra ou pretenda esconder os próprios erros.". E mais adiante "Na vida do nosso Partido pagámos caro alguns erros".
Segue-se uma extensa lista de erros de análise política, de trabalho conspirativo, de métodos de acção e de organização. Ao longo de 50 anos.
O texto escolhido foi este. Mas podia ter sido o Rumo à Vitória, A tendência anarco-liberal no trabalho de organização, os relatórios da actividade do CC ao III, ao IV ou ao VI Congresso. Neles se encontra sempre a mesma análise dialéctica: sucessos e erros, vitórias e derrotas, avanços e recuos, heróis e traidores. Hagiografia? Só para rir!
Das duas uma. Ou o retrato resumido de 50 anos de PCP elaborado por Álvaro Cunhal é uma falácia completa e uma mentira pegada, ou as coisas não se poderiam ter passado como PP nos que fazer crer. Ou ainda, dirão alguns, algures no meio é que está a verdade.
Luta pelo poder para quê?
O PCP era um partido clandestino. Perseguido pelo regime fascista e pela PIDE. Os seus dirigentes e militantes eram assassinados. Ou presos, torturados e condenados a longos anos de prisão. Quanto maior a responsabilidade maior a pena de prisão.
A alternativa era desistir da luta, denunciar camaradas, passar-se para o inimigo. Houve, obviamente, quem o fizesse.
Lê-se PP e fica sem se perceber onde ficava espaço, mesmo temporal, para organizar o PCP, a luta dos trabalhadores, as greves, as manifestações, a distribuição da imprensa clandestina, o derrube do fascismo. Seria apesar de? Especialista em sistemas de comunicação
NOTA: desconhecia a novel capacidade de Miguel Portas para o chavão fácil. Chamar estalinista à nota do Gabinete de Imprensa do PCP é tão anacrónico e redutor como chamar provocador a Pacheco Pereira por nas reuniões estudantis da Academia do Porto fazer discursos inflamados sem ir parar aos calabouços da PIDE.
1 Commentários:
Espantoso, este comentário de Vilarigues (atenção: do António, não do Sérgio)! A crer no que nele se lê, os comunistas dos primeiros anos 50 eram uns pacifistas que em caso algum advogavam a violência como arma política, muito menos como "parteira da história", e as pistolas com que os funcionários andavam armados eram só por que eles eram coleccionadores de objectos exóticos!...
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