12.5.06

OS NOVOS ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO

A partir de hoje, os novos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, dão continuidade a um projecto de trabalho com mais de vinte anos, e que teve origem numa revista pioneira destes estudos, passando a ter agora como sua casa a plataforma Wordpress. Do ponto de vista editorial, a orientação continua a mesma da "velha" revista, cujo texto inicial acima se publica, como homenagem a dois dos companheiros do princípio que já morreram, Manuel Sertório e Jose Alexandre Magro ("Ramiro da Costa").

Todos os materiais dos antigos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO (versão antiga), assim como os que reuni em ÁLVARO CUNHAL - BIOGRAFIA POLÍTICA , encontram-se aqui reunidos, dada a natureza próxima do seu conteúdo. Nesta nova plataforma algumas funcionalidades foram utilizadas para organizar melhor o material disponível, incluindo a possibilidade de colocar no cabeçalho as bibliografias em curso de actualização. Alguns problemas, como sejam as discrepâncias dos caracteres que se verificam nas notas e o arranjo gráfico ainda rudimentar, serão corrigidos à medida do meu tempo e saber. As notas bibliográficas sofreram com a interrupção destes meses e precisam de ser actualizadas. Tudo está ainda numa forma experimental.


Os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO são desde já o mais completo repositório de informação sobre a história do comunismo, dos movimentos radicais e da história da oposição portuguesa na Rede, mas este trabalho é em grande medida solitário, e por isso sujeito às flutuações de tempo do seu autor. Renovo aqui o apelo a todos os que se interessam por estes assuntos para também utilizarem este sítio como instrumento de trabalho de
investigação e divulgação dos seus resultados.

27.2.06

Carta d'Orfeu

Orfeu - Livraria Portuguesa

43, Willem de Zwijgerstraat

Rue du Taciturne, 43

1000 BRUSSEL-BRUXELLES

België-Belgique (Metro: Schuman ou Maalbeek)

orfeu@skynet.be
<http://www.orfeu.net>

7 de Março, terça-feira, pelas 18,30 horas - Da fábrica

Pacheco Pereira vem-nos o vol. III de Álvaro Cunhal, uma biografia política: O Prisioneiro (1949/1960). A História do PCP, do Estado Novo e, finalmente, de Portugal, em torno de uma personalidade marcante do séc XX do nosso país (ed. Temas e Debates). O seu livro Quod erat demonstrandum - diário das Presidenciais também estará disponível (ed. Aletheia).

21.1.06

Rodrigues da Silva - ENTREVISTA NO JORNAL DE LETRAS (EXCERTO)

E se se virasse o feitiço contra o feiticeiro? Que quero dizer com isto? Que, tal como Pacheco Pereira analisou a personagem Cunhal, apeteceria que alguém analisasse a dele, à luz desta imensa obra que há largos anos vem escrevendo. É que, conhecido militante do PSD, Pacheco Pereira nunca renegou as suas origens, a de um homem que nasceu para a Política na extrema-esquerda, de um homem que nasceu para a História como investigador das lutas do movimento operário. Um homem que, para além das suas múltiplas actividades (política, académica, na imprensa e outras), aos 56 anos, continua a dedicar-se ao estudo – exaustivo – da figura (e da personagem) de Cunhal e do Comunismo português e internacional. Não o fazendo para denegrir (nem elogiar). Tão-só para perseguir um interesse inicial e iniciático que vem dos seus 19 anos.

Jornal de Letras: O III volume levou-lhe mais tempo (quatro anos) do que o II e cobre apenas uma década. Está anunciado já o IV volume, mas não haverá um V?

José Pacheco Pereira: Com antecedência, não sei. Até agora, com excepção do I (que abrange a infância e a adolescência), tem sido mais ou menos um volume por década, mas não posso saber se estes 14 anos que faltam [1960-74] vão dar um volume ou dois. Casa volume tem problemas próprios. O principal do I volume residia no facto de já haver poucas testemunhas vivas, e as que havia tinham 70, 80, 90 anos e muitas delas próximas de Álvaro Cunhal, sensíveis às pressões que ele fez para que não falassem para o livro. Havia uma escassez de informação testemunhal directa, mas, pelo contrário, havia uma grande riqueza documental nos arquivos soviéticos. Para o II volume, que abrange mais ou menos os anos 40, havia ainda muito testemunho importante e também material arquivístico soviético.

Lê russo?

Com alguma dificuldade, mas sou capaz de saber o conteúdo do texto.

Qual o problema para os anos 50?

Havia um problema político, porque são anos malditos para a história oficial do PCP. As referências sobre esta década limitam-se a duas ou três: um documento a favor da independência das colónias em 1957, a morte de Catarina Eufémia e pouco mais. Era uma história maldita, porque, nos anos 60, Cunhal atacou a condução política do partido nos anos 50. É uma história muito conflitual, com muitos episódios que não cabem dentro da heróica e épica, habitual na versão oficial do PCP. Isto fazia com que mesmo os testemunhos dos anos 50 omitissem todo o debate político dentro do partido. Ao mesmo tempo, também as fontes soviéticas escasseavam porque os arquivos, salvo uma ou outra excepção, não se abriram para estes anos. Defrontei-me, portanto, com vários problemas. Daí a demora. Em contrapartida, apesar de tudo, havia nos arquivos da PIDE muita documentação, visto que arquivos importantes do PCP tinham sido por ela apreendidos, quer no início da década de 50, quer na de 60; em especial os papéis manuscritos de Octávio Pato que a PIDE não tinha tratado. São centenas de páginas, o que me permitiu reconstituir todo um conjunto de reuniões. Só que o tratamento desses papéis levou-me imenso tempo. Tive que os ordenar, que os datar. Já comparei este livro a uma espécie de renda de bilros, porque para reconstituir uma reunião tive que recorrer a parte de um texto manuscrito, a um depoimento na PIDE (com os cuidados que é necessário ter com esse depoimentos), a um fragmento de um testemunho, a um excerto de um comunicado. A maioria das coisas foi reconstituída de forma muito fragmentária. Claro que desconheço se actas dessas reuniões existem nos arquivos do PCP, porque estão fechados, mas estou seguro que a minha reconstituição é sólida em função dos documentos que se conhecem.

Haja quatro ou cinco volumes, digamos que, concluída a biografia política de Álvaro Cunhal, terá gasto dez anos da sua vida nesta obra. O que é que o levou a isto?

Fiz tudo por gosto. A raiz do gosto por estas coisas é anterior ao 25 de Abril. Quando publiquei o meu primeiro livro (As Lutas Operárias contra a Carestia de Vida em 1918, apreendido pela PIDE), de alguma maneira defini os meus interesses neste âmbito. Esse livro, juntamente com os de César Oliveira, foi o primeiro, moderno, sobre a História do Movimento Operário Português. É que dera-se uma ruptura da memória e a maioria das pessoas da minha geração não sabia nada sobre a experiência anarco-sindicalista, ignorava que tinha havido greves, que tinha havido um Partido Comunista fundado em 1921? Depois escrever sobre estas coisas tornou-se trivial, mas então o meu livro foi pioneiro.

Essa ruptura deve-se apenas à Censura?

Em grande parte sim, mas não só. Também à própria Oposição e em particular ao PCP. Ao PCP, na altura dentro de uma política unitária (entre aspas), não lhe interessava uma História do Movimento Operário que incluía conflitos sociais. A História que se fazia era essencialmente a do liberalismo burguês (chamemos-lhe assim), da revolução liberal depois de 1820 e do pensamento republicano. Era a tradição considerada politicamente correcta na Oposição portuguesa. O meu livro e os de César Oliveira romperam com isso. Eu interessei-me pela História do Movimento Operário por razões que tinham muito a ver com a situação política na altura. Era uma maneira de falar de uma História que tinha sido ocultada. Comecei a escrever o meu primeiro livro aos 19 anos, no final dos anos 60. É um produto da década.

Que está na origem desta biografia de Cunhal?

O interesse vem daí, mas foi muito complicado de levar para a frente, porque a História do PCP sempre foi difícil de fazer. O PCP reagia com muita virulência à tentativa de estudar a sua História e isso estendeu-se praticamente até à década de 90. De modo que muitos dos meus colegas resolveram estudar assuntos mais pacíficos: a Ditadura, Salazar, o fascismo, as eleições do Estado Novo. E eu permaneci durante muito tempo, em rigor quase até hoje, isolado a escrever sobre a História do Movimento Comunista e do Movimento Operário. Sujeito sempre a uma dupla incompreensão: os comunistas entendiam que era um ataque ao PCP e faziam tudo para que esta História não se fizesse, e as pessoas mais à direita achavam bizarro alguém do PSD interessar-se por estas coisas. Esta é, por isso, uma obra sempre feita muito solitariamente.

José Albergaria / João Tunes - DEBATE SOBRE A BIOGRAFIA DE CUNHAL

No MAPRIL

Isto mais parece uma campanha Alegre...

Hoje, malgrado o titulo, não vou falar de Presidenciais.

Não quero; não me apetece; não é sequer de bom augúrio fazê-lo.

Tenho assistido atónito (apalermado, embezerrado, desconsolado mesmo) a um curioso debate entre os próceres de Cunhal ( o dito e falecido, Alvaro para os amigos e camaradas que agora reivindicam a memória e as palavras que aquele poderia dizer a propósito de...se fosse vivo e...falasse.)

O Abrupto do JPP dá relevo ( e muito bem...) a quase todos os que têm escrito sobre o seu 3.º Volume da biografia não autorizada de Alvaro Cunhal.

Ainda não a li, mas já tinha "devorado" com inusitado prazer de "leitor" e deleite de pequeno actor, que fui, desses tempos revoltos (entre 1963 e 1986).

O que, verdadeiramente, me espanta é que, ainda hoje, possa ler-se prosear como o de Casanova (in-AVANTE) & Vilarigues (in- O Público) de teor inquisitorial, tenebroso e sem, cada um deles, ter medo do ridiculo.

Pode discutir-se a qualidade do trabalho do "historiador" JPP, as escolhas que faz para o enfoque da biografia de A.Cunhal, o rigor das fontes, a insuficiência de testemunhos... e outros pormaiores da monumental obra.

Não se pode, hoje, em pleno dealbar do Século XXI sugerir que JPP coordena, nesse terreno de historiador, uma Campanha anti-comunista, ou anti PCP! Digo eu.

A prosa de Casanova & Vilarigues são demasiado simplistas - para serem verdadeiras.

Elas não pretendem "discutir" a História de A. Cunhal e do PCP. Creio eu que elas visam fazer fogo de barragem, por antecipação, para o 4.º Volume de JPP que há-de sair.

E porquê?
Por uma razão que me parece óbvia.
Em vida de A. Cunhal, sairam 2 volumes. Nem uma palavra oficial foi escrita sobre eles. Cunhal morre e logo se alevantam duas vozes da nomenklatura.

Os dois primeiros volumes falavam de coisas muito distantes. Já praticamente não há, nem havia já há época, testemunhos desses tempos. Os últimos a desaparecerem foram, exactamente, Ludgero Pinto Bastos e A. Cunhal.

É já o 3.º volume que traz coisas sobre as quais ainda existem testemunhas (Dias Lourenço, Jaime Serra, Sergio Vilarigues, etc), mas já muito idosos e debilitados fisica e psicologicamente.

O 4.º volume vai intervir desde a fuga de Peniche (que sei eu das intenções do autor?!...), provavelmente, até ao 25 de Abril (?), até ao 25 de Novembro (?) até à morte de A. Cunhal...

Aqui estaremos já no terreno da "luta politica e partidária", da história contemporânea com imensos actores vivos e de boa saúde.

Como se sairá desses escolhos o "historiador" JPP? A ver vamos.

O que Casanova & Vilarigues pretendem é, desde já, diminuir o "historiador" JPP, descredibilizá-lo - para que o seu empreendimento deixe de ter o brilho que realmente tem e que, estes próceres de A. Cunhal - já têm dificuldaes em apoucar.

A história já não lhes pertence e já não controlam as almas que um dia conseguiram fazê-lo. A utopia deles é já pertença da História e como tal pode ser tratada e escrita - por quem tem competência e vontade para o fazer.

Poderá ainda ter alguma eficácia para dentro do "Partido"? Talvez.

Mas quantos militantes do PCP compraram e leram os livros de JPP? E com que deleite o fizeram, aprendendo a História do "seu" Partido. Isto, Casanova & Vilarigues, não os preocupa nem interessa. O que lhes interessa é mostrar serviço ao controleiro-mor, ao "operário" (pensavam que ia falar de S. Jerónimo? Engano puro!) Domingos Abrantes, que foi proto-SG aquando do aneurisma de A. Cunhal, mas que morreu na praia da sua desmesurada ambição. Fica para a "hagiografia" militante de Casanova & Vilarigues como o "vero" SG desde que A. Cunhal "cedeu" o seu lugar a C. Carvalhas e, agora, ao simpático quanto prolixo J.S.

A história é o que é; é o que foi; e será aquilo que os historiadores forem capazes de "desenterrar" e verter em letra de forma.

O mérito de JPP é de ter sido dos primeiros a fazê-lo em relação à história do PCP, mas, como muito bem o escreveu ( e com que dignidade o fez!) tendo por companhia os nossos "manos" maprilistas António Moreira e Rogério Rodrigues.

José Albergaria

posted by Mapril @ 19:18 2 comments

2 Comments:

At 16 Janeiro, 2006 22:17, Anonymous said...

Caro Zé, vou fazer de conta que não te conheço de lado algum (a alegria de te re-encontrar fica para outra ocasião, mais solene) para, se me permites fazer algumas observações a este teu post. E umas tantas precisões (a opinião não dispensa, pelo contrário, o rigor).

Um dos engulhos grandes da “nomenklatura imobilista” é que uma parte importante do conteúdo do 3º volume da obra de JPP contou com a colaboração activa de Jaime Serra (que, aliás, a validou com a sua presença pessoal, mais da sua companheira Laura) no lançamento deste volume. E contou ainda com contributos importantes dos “diários partidários” de Aboim Inglês e Octávio Pato, ambos já falecidos (por terem ido parar à Pide nas apreensões de materiais quando das suas prisões) e que, pelo facto, de estarem arquivados na Pide, mas escritos pelos seus punhos, em nada perdem a autenticidade. Dias Lourenço, muito citado, ainda não levantou voz a desmentir JPP. Só Vilarigues (pai) falou em “atentado à memória de Álvaro” sem concretizar o que desmente, apenas tentando desqualificar moral e politicamente JPP perante Cunhal (o que é curto, quando se trata de desmentir um historiador). E, depois, veio o Vilarigues (filho) a dar prova, compreensível ao nível das emoções, de partilha filial com a indignação generalista de sinal paterno. Mas quer uma quer outra indignação - a de Vilarigues (pai) e a de Vilarigues (filho), porque nada acrescentam “aos autos”, ficando-se pela superioridade de proximidade paterna com Cunhal, se são atitudes de respeitável solidariedade paterno-filial, deviam ser apenas motivo para uma recatada obra de serão familiar. Casanova vai na mesma onda, mas esse é o seu mister diário à frente do actual “Avante” – demonstrar que o jornal que dirige nada tem a ver com o materialismo histórico e, por sobradas razões, com o materialismo dialéctico (uma e outra, insignificantes na actual vida do PCP, em que ser-se comunista é “estar com o Jerónimo”, o que é, convenhamos, o mais baixo “qb” de se ser comunista).

João Tunes

(continua)

At 16 Janeiro, 2006 22:20, Anonymous said...

(continuação)

Quanto ao 4º volume prometido da biografia política de JPP sobre Cunhal, ela tem um prazo temporal marcado que não vai além do 25 de Abril de 1974. O 3º volume termina em 1960 e na fuga de Peniche. O 4º volume vai tratar de todo o rico e intenso período (afinal, o que, geracionalmente, mais me interessa) em que Cunhal se consagra como dirigente máximo e incontestado do PCP, arruma Fogaça (que bem merecia ser arrumado, mas politicamente e não pelo miserável pretexto de levar no cú), trava e inverte o “desvio de direita”, depois arruma o Chico Martins Rodrigues (que mereceia melhor arrumo que o de “ter-se apoderado de uma máquina de escrever que era propriedade do Partido”) pelo “desvio esquerdista” (que, afinal, foi um sintoma do ascenso de luta em 1962), culminando no “Rumo à Vitória” e no VI Congresso em Kiev que dariam, definitivamente, o cunho (cunhalista) monolítico ao PCP. E esse cunho foi obra de um génio político (Cunhal), com luzes e sombras, cuja maior fragilidade é ter inviabilizado uma sucessão à sua altura ou proximidade, tendo, antes, degenerado até este deprimente e mediático resultado (pelos vistos, com margem de sucesso) de um bailarino-fadista-beijoqueiro-comunicador que, como SG, arrasta o PCP para o destino de um aglomerado populista-eleitoral.

Julgo que exactamente para fugir a esses escolhos que referes – o da "luta politica e partidária”, JPP sempre assumiu que não falaria, nesta obra, do Cunhal político depois do 25 de Abril. E isso é mais um crédito a seu favor.

Como deduzirás, do ponto de vista político, menos ainda se formos para o campo partidário, JPP será das últimas pessoas com quem tive, tenho e terei afinidades (cruzes, canhoto). Mas, infelizmente (!!!) e o destino assim o quis (pelo abandono antigo do PCP perante a verdade histórica), a história possível e acessível do PCP é a feita pelo JPP e pouco mais. Porque aquilo que o PCP oferece, oficialmente, aos seus militantes, quanto ao seu passado, é a verdade e a mentira servidas na propaganda que nos acabam por fartar porque nunca sabemos onde acaba uma e começa a outra.

Aquele abraço.

João Tunes

20.1.06

J. Hipólito dos Santos - III VOLUME - IDENTIFICAÇÕES NUMA FOTOGRAFIA

Acabo de ler este terceiro volume que achei tão impressionante e interessante como os anteriores. Ele traduz bem o "clima" em que vivíamos em relação à repressão fascista, mas também em relação ao sectarismo e ao manobrismo dos militantes do PC.
A narração documentada, notavelmente documentada, tem essa força de nos meter lá dentro, pelo menos àqueles, que mais dentro ou menos dentro por lá andaram. Pela minha parte, sempre acusado de "social-democrata" por ser amigo do António Sérgio, estando em desacordo com a candidatura do C.Leal, afastei-me para me permitir acabar o curso de Económicas o que aconteceu nesse ano.


A fotografia da página 581 contem um erro - ao meu lado não é o Manuel Sertório mas sim o António Abreu. Atrás de mim, de óculos, está o Domingos Carvalho, claramente um militante do PC; o indivíduo à direita, de pé e só com a cara e ombro esquerdo, é o José António Caetano; encoberto pelo Manuel Cabanas está o Câmara Reis.

(J. Hipólito dos Santos)

António Vilarigues - OS EQUÍVOCOS DE PACHECO PEREIRA (PARTE II)

José Pacheco Pereira (J.P.P.) não convive bem com as críticas vindas de comunistas. Não lhe fica bem. Faz mal. E faz-lhe mal. O "descodificador" dos documentos da PIDE e do PCP ficou afectado na sua capacidade interpretativa da língua pátria. Mas eu explico-lhe!

1ª Parte da frase: Pacheco Pereira, nas reuniões estudantis da Academia do Porto, fez discursos inflamados sem ir parar aos calabouços da PIDE. É um facto histórico. Não implica nenhum juízo de valor.
Como sabe o historiador P.P., vários militantes do PCP estavam identificados como tal pela PIDE. E não eram presos. É conhecido de P.P. que casas clandestinas estiveram cercadas pela PIDE um, dois, três e mais meses. É público que houve responsáveis da PIDE que foram despromovidos por não terem paciência suficiente. E actuarem antes de tempo. Faz parte do manual de qualquer polícia, em particular das polícias políticas. Objectivo: prender apenas os mais responsáveis.
Mas regressemos à minha frase. 2ª Parte: é anacrónico e redutor chamar (por isso) provocador a P.P. Ou seja, escrevi exactamente o contrário do que P.P. diz. Ataque súbito de iletracia? Leu o artigo na oblíqua? Convinha-lhe à sua argumentação de vítima? Desonestidade intelectual pura e dura? Ou outra razão qualquer que não descortino? Ao leitor de escolher...

Leitura

Leio o que P.P. escreve desde 1972. Ouço-o e vejo-o sempre que tenho disponibilidade temporal. Este caso não foge à regra. P.P. errou o alvo e lançou uma insinuação sobre a minha "não leitura" que não colhe.
Se, por sua vez, me lesse com alguma atenção, perceberia que só escrevo ou falo daquilo que sei, conheço ou estudo. E que para todas as afirmações são apresentados os respectivos fundamentos. Ou existe o devido suporte.

História

Como o historiador P.P. sabe, nasci na clandestinidade filho de dois funcionários e dirigentes do PCP. Fui dela "expulso" por razões de segurança conspirativa. A ela regressei aos 17 anos. Durante 20 anos foi funcionário do PCP. Desde 1975 desempenhando tarefas numa comissão a funcionar junto dos organismos executivos do comité central. Tudo isto é público.
Por razões meramente casuais durante um ano inteiro não fiz, a nível político, praticamente mais nada senão ler, analisar e estudar quase tudo o que estava publicitado pelo PCP. As "integrais" do Avante! e de O Militante, outras publicações, relatórios aos congressos, reuniões do CC. Múltiplos e variegados documentos de e sobre o PCP. A eles regressei quando da exposição do 60º aniversário (1981). E de novo, durante alguns meses, em 1991 (Festa do Avante! exposição dos 70 anos).
A isto acresce o convívio, durante duas dezenas de anos quase diário, com diferentes dirigentes e militantes. Para além da minha apetência sobre este tema. P.P. dar-me-á o benefício da dúvida de alguma "coisinha" saber sobre a história do PCP. E de me preocupar sobre o assunto.
E há outra questão. Ele há histórias e estórias. E há histórias que merecem mais credibilidade do que outras. Entre José Hermano Saraiva e José Mattoso, por exemplo, escolho o segundo. O que não me impede de ler o primeiro. Entre a história universal de Karl Grinberg ou a da UNESCO a decisão é óbvia.

Ideologia

A nível político e ideológico estou nos antípodas de P.P. Ou vice-versa.
Sou daqueles que defendem e lutam por uma sociedade diferente desta. Sem exploradores nem explorados. Que utilizam o materialismo dialéctico e histórico como método de análise da realidade económica, política, social e cultural. Que procuram que nada do que é humano lhes seja estranho. Que entendem que o estudo objectivo e científico dos fenómenos sociais só é possível na base do marxismo-leninismo.
"O objectivo político principal no plano teórico do livro era o de combater a história e os historiadores burgueses da chamada ""oposição democrática", opondo-lhe uma tentativa de aplicação do materialismo histórico ao campo da história do Portugal contemporâneo."
Ou: "Já o mesmo não se passa com os erros de conteúdo de que se torna necessário fazer autocrítica. Esses erros representavam o resultado de uma deficiente compreensão e aplicação do materialismo histórico e a concepções políticas erradas" (in As Lutas Operárias contra a Carestia de Vida em Portugal, 2ª edição, José Pacheco Pereira). Os sublinhados são meus.
Isto dizia P.P. em 1976...

Confronto ideológico

No seu Enxofre de 8561 caracteres P.P. "aos costumes diz nada". Ou quase nada.
Certamente pela mesma razão que o levou a não compreender uma simples frase de português, P.P. arrumou as minhas críticas e discordâncias com um sonoro "puramente insultuoso".
Mas eu explico-lhe! Nos três volumes até agora publicados de Álvaro Cunhal: Uma Biografia Política, manifesta-se por parte de P.P. (e recorro de novo às palavras de Álvaro Cunhal) "(...) o subjectivismo, a tomada da parte como todo, a tomada de aspectos superficiais, derivados, acidentais e episódicos do desenvolvimento social como se fosse a raiz dos acontecimentos ou a força motora dos processos".
A isto P.P. diz zero.
Afirmei que para P.P. há uma série de teses por ele criadas de antemão que há que demonstrar obrigatoriamente. E enumerei-as uma a uma.
- A História do PCP está por fazer. Por parte do PCP, o que existe é sobretudo hagiografia, pontuada por algumas histórias de santos, mártires e vitórias, e por isso mesmo cheia de ensurdecedoras lacunas.
- No PCP houve sempre luta pelo poder. Teria sido mesmo o fio condutor da sua actividade política.
- Dirigentes com capacidade só os de origem intelectual (Cunhal e Fogaça). Os outros eram meros tarefeiros.
- O papel da PIDE e da repressão durante o fascismo, nomeadamente no dia-a-dia dos comunistas, são questões secundárias. Ou quase.
- A verdade é só uma: o PCP não fala verdade.
E podia acrescentar mais uma: a da "simetria" PCP-PIDE. Como se pudesse haver simetria entre torturador e torturado, assassino e assassinado.
A isto P.P. diz rien de rien.
Escrevi que não cabia no âmbito do artigo a resposta, ponto por ponto, ao que P.P. tem vindo a publicar sobre Álvaro Cunhal e o PCP. Por um lado, porque partilho a tese do Álvaro que "deturpações e falsificações não merecem em geral desmentido". Por outro, porque entendo que os escritos de P.P. não são o fim da história. Outros virão...
A isto P.P. diz niente.
E o pouco que diz só vem confirmar o que acima está escrito. Afirma peremptório que os documentos públicos do PCP têm um valor facial como factualmente verdadeiro escasso. Estamos conversados. Fica sem se perceber a obsessão de P.P. pelo acesso aos arquivos do PCP. E o seu interesse pela contestação aos factos, às interpretações, aos erros dos seus livros.
Pelos vistos polémica para P.P.é só nas condições definidas e aceites por ele. P.P. pode dizer de Álvaro Cunhal, do PCP e dos comunistas o que lhe der na real gana que estes só têm é que ficar calados. É a tese do come e cala. P.P. disse, está dito.
No que ao autor destas linhas respeita está redondamente enganado. Pela minha parte assunto encerrado.

12.1.06

José Pacheco Pereira - ENXOFRE

Há mais de 20 anos, um pequeno grupo de amigos, todos eles fazendo política desde a adolescência no regime salazarista, o que é relevante neste caso, resolveu fazer a primeira revista dedicada ao estudo científico e histórico do comunismo português. Seguiam o exemplo da revista francesa Communisme, dirigida por Annie Kriegel e Stephane Courtois, uma antiga dirigente do PCF e um antigo maoísta, e criaram os Estudos sobre o Comunismo. Havia vários marxistas de diferentes histórias e filiações, como eu, que viera do PCP-ML, Fernando Rosas que viera do MRPP, José Alexandre Magro/"Ramiro da Costa" e António Moreira que tinham vindo dos grupos marxistas-leninistas anteriores ao 25 de Abril que se fundiram no PCP(R). De todos, eu fora o primeiro a sair daquelas andanças, oito anos antes, uma eternidade se tivermos em conta que o processo da cisão da Voz do Povo, que envolveu o Espada e o José Manuel Fernandes, tinha durado até ao início da década de 80 e, só para comparação, homens como Vital Moreira, José Magalhães e Pina Moura ainda estavam para lavar e durar no PCP.

A este grupo tinha-se juntado Rogério Rodrigues e Maria Goretti Matias, que o jornalismo e o trabalho no arquivo de Pinto Quartin, oferecido ao ICS, tinham interessado no mundo do comunismo. Havia depois o decano do grupo, com outro mundo, outra experiência, outra história, Manuel Sertório. Sertório vinha de "companheiro de estrada" do PCP nos anos 50, exilara-se para o Brasil onde trabalhara muito próximo de Delgado e era uma figura inclassificável, muito sui generis na oposição portuguesa. Na realidade, era uma espécie de trotsquista entrista, mas acima de tudo era um original e um independente, um homem muito interessante com as suas idiossincrasias e que a morte levou pouco depois, como também levou José Alexandre, que tinha escrito uma muito esquerdista história do movimento operário.

Um grupo em que os interesses e curiosidades tinham muito a ver com a biografia própria, como era normal, e ainda mais normal se tivermos em conta o "trabalho de luto" que alguns ainda faziam, unidos pela intensa curiosidade por uma história que sabíamos ser indesejada à direita e à esquerda. À direita, tudo o que envolvesse o comunismo era pestífero, à esquerda, ninguém ousava contestar a história heróica da oposição, em particular do PCP. Os Estudos sobre o Comunismo pretendiam romper com esses silêncios mútuos e o seu trabalho foi pioneiro, quer na intenção científica, quer na criação de espaço para uma área de estudos contemporâneos, contra todos os bloqueamentos.

Muitos dos nossos antigos camaradas da extrema-esquerda estavam então a começar, na década de 80, sucedidas carreiras académicas, como era (e é) o caso de António Costa Pinto, de João Carlos Espada e mais tarde de Fernando Rosas, assim como de muitos outros menos conhecidos mas geracionalmente significativos. A maioria dos que se dedicaram à história e à ciência política centraram o seu trabalho a estudar o Estado Novo (como Costa Pinto e Rosas) ou a filosofia política conservadora (como Espada). Eu fiquei ligado aos temas que sempre me interessaram, a história dos movimentos sociais, em particular, a história do movimento operário e do comunismo.

O tema era mal visto e continua a ser mal visto. Se escrevesse sobre Salazar e o fascismo, tudo seria mais simples e não teria comunicados oficiais do PCP no Avante! e artigos puramente insultuosos como o de António Vilarigues no PÚBLICO de há uns dias. Já há muito tempo que as milhares de páginas que escrevi sobre a história contemporânea de Portugal, desde 1970, seriam tidas como história reconhecida e não teria de ter alguns jornalistas ignorantes a contestar que o PÚBLICO colocasse a estrelinha em "historiador" no fundo do artigo e preferissem o "ex-eurodeputado".

Mas não, a história do PCP é quase tão sulfurosa como há 20 anos quando fizemos os Estudos sobre o Comunismo. Cunhal atacou a revista num comício como se fosse da CIA, e hoje o Avante!, de Casanova e António Vilarigues, só falta dizer que a biografia de Cunhal por mim feita é escrita por um braço tardio da PIDE. Antes como agora, fazer a história do PCP é sempre participar numa qualquer "operação" policial contra o partido. Casanova explica na nota do Avante! que é isso mesmo, uma "operação contra o partido", como se houvesse alguém que em 2006 ainda perdesse tempo e esforço a conduzir "operações" contra o PCP. António Vilarigues, por seu lado, repetiu pela milésima vez, a velha calúnia do PCP contra os esquerdistas que estes eram "protegidos" pela PIDE. Métodos baixos, muito baixos.

Os esgotos da história, de onde vêm estes métodos, foram muito bem descritos por Mário Dionísio numa história exemplar do preço que se pagava por discordar do PCP nos meios claustrofóbicos da oposição. Dionísio relata na sua autobiografia que estava a fazer uma série de conferências quando se apercebeu de "que, enquanto falava, naquele silêncio ávido e colaborante que é o prémio major para qualquer orador, se bichanava na sala a deitar por fora: "Um tipo bestial. É pena como se portou quando esteve preso. Meteu muita gente dentro". Ora Dionísio nunca estivera preso, tratava-se de lançar um boato que o diminuía no seu carácter e integridade de resistente. Dionísio descreve uma das muitas campanhas de calúnias em que o PCP era useiro e vezeiro.

Estes métodos não mudaram, e quer a nota de Casanova quer o artigo de António Vilarigues não contestam um único facto do meu livro, não discutem uma única interpretação, não apontam um erro (que certamente existem), mas fazem apenas sugestões ad hominem contra o autor, tentando sugerir intenções, uma agenda "escondida" de "deturpações e falsificações". Quer na nota, quer no artigo, nada do que é dito sobre o livro tem a ver com ele. Podiam ter sido escritos sem o ler, porque os seus autores não querem saber um átomo da história do seu próprio partido, nem lhes interessa esclarecer nada.

Só para não ir mais longe, porque não vale a pena, uma das falsidades que repetem é que toda a minha descrição, por exemplo dos assassinatos do início dos anos 50, é feita a partir de documentos da PIDE, o que basta folhear o livro para se perceber como é falso. Mais: mesmo que o fosse, nem por isso deixariam de poder ser usados, porque um historiador tem obrigação de saber como é que se analisa um documento de polícia e os cuidados exigidos nessa análise. Cuidados aliás do mesmo tipo que se necessitam para analisar um documento público do PCP, cujo valor facial como factualmente verdadeiro é também escasso.

Mas vale pouco a pena responder a insultos e processos de intenção de uma completa desonestidade intelectual. A nota de Casanova e o artigo de A. Vilarigues não tem qualquer interesse para a análise do período em questão, não tem qualquer interesse para o historiador, a não ser nas suas reais intenções actuais. Elas são fáceis de identificar: uma é instrumental, pressionar os militantes do PCP para não fazerem depoimentos sobre os eventos em que participaram ou que testemunharam. E para que vão para o túmulo quedos e calados, tendo direito a três linhas nas necrologias de Avante!, mais depressa esquecidos e desrespeitados pelo seu partido do que por mim, que lhes dou a parte da memória a que têm direito.

As intenções sobrantes são puramente políticas e reflectem a enorme resistência de uma parte do PCP à mudança, como se fosse possível manter uma história feita de ocultações e segredos, destinada a assegurar uma blindagem face à investigação e ao conhecimento. Quem faz "operações" contra o PCP são os que procedem como Casanova e A. Vilarigues, "operações" de descrédito, "operações" que geram efeitos de "revelação" como recentemente aconteceu com o "caso" da gravidez de Catarina Eufémia. Um partido que não torna acessível à investigação o seu arquivo, que responde pavlovianamente a qualquer fractura na parede da sua história "oficial", cria o terreno para a especulação e, de cada vez que se mete num destes sarilhos, sai pior do que entrou. Em vez de compreenderem que o papel do PCP na história portuguesa só fica garantido na memória colectiva dos portugueses quando esta deixar de ser um instrumento de propaganda, insiste-se na linguagem de madeira e na destruição verbal do trabalho dos outros.

Vinte anos depois dos Estudos sobre o Comunismo, continuarei a estudar a história do PCP e da oposição, com o mesmo programa e espírito inicial: conhecer, pela história dos dias de hoje, as linhas com que nos cosemos. Pelos vistos, encontrando exactamente as mesmas dificuldades, mas é a vida.

(Público, 12/1/2006)

António Vilarigues - ESCLARECIMENTO A LUÍS FILIPE ROCHA

CARTAS AO DIRECTOR - Esclarecimento a Luís Filipe Rocha

1. Qualquer leitor atento concordará que há uma razoável diferença entre o que Luís Filipe Rocha disse e escreveu em 2000 e a sua intervenção na apresentação do 3.º volume da biografia política de Álvaro Cunhal. Não estamos pois perante "a simples reafirmação de uma opinião".

2. Não fica bem a Luís Filipe Rocha fazer juízos de valor sobre qual seria, eventualmente, a minha opinião sobre algo que eu nem sequer comentei. Não estava em causa Janeiro de 2000, mas sim Novembro de 2005.

3. Não é meu hábito, nem nunca foi, lançar "anátemas" sobre quem quer que seja. Já estive várias vezes de acordo com Pacheco Pereira e não tive problema nenhum de consciência em o expressar no PÚBLICO. E não só.

4. Escolhi a citação de Luís Filipe Rocha por ser a que mais se aproximava do pensamento de Pacheco Pereira reflectido nos três volumes em causa. Podia ter sido qualquer outra de qualquer outra pessoa. Ou palavras minhas. Não vale a pena assumir postura de vítima de perseguição. Até porque isso não adianta nada ao debate de ideias.

5. Fui recrutado para o PCP por alguém que meses depois traiu miseravelmente quase todos os seus camaradas e amigos. Dezenas deles foram presos e brutalmente torturados em Maio/Junho de 1971. Houve, para só dar um exemplo, quem sofresse a "tortura do sono" 510 horas seguidas. Vinte um dias e vinte e uma noites (não, não é gralha). E não denunciou ninguém. Vários, entre os quais me incluo, tiveram de passar à clandestinidade.

6. Tudo isto consta da "historiografia oficial do PCP". Portanto sobre hagiografia creio que estamos conversados. Até porque o tema do artigo não era só esse.
7. A questão essencial que o meu comentário aborda é a objectiva mistura que Pacheco Pereira faz entre o que é história e o que não passa de estórias. Bem como a sua quase permanente manifestação de um anticomunismo militante. De que, consciente ou inconscientemente, não se liberta.

António Vilarigues, Viseu

(Público, 11/1/2006)

9.1.06

LUIS FILIPE ROCHA - CARTA AO PÚBLICO "ESCLARECENDO" ANTÓNIO VILARIGUES (9/1/2006)

Esclarecimento a António Vilarigues

Tendo sido referido o meu nome, num artigo de António Vilarigues no passado dia 2, venho solicitar-lhe a publicação deste breve lembrar que em Janeiro de 2000, numa conferência de imprensa muito concorrida, foi publicamente anunciada a adaptação para a televisão do romance Até Amanhã, Camaradas. Nessa apresentação pública, entre outros materiais de promoção e divulgação do projecto, foi incluído um texto de minha autoria, assinado, e redigido na qualidade de argumentista e (na altura) de realizador convidado para dirigir a série. Esse texto foi, e continua a ser, público e não sofreu, quer então, quer posteriormente, qualquer crítica ou ressalva, por parte do autor de Até amanhã, Camaradas, ou por parte de qualquer outra pessoa, incluindo os hagiógrafos mais sensíveis. Desse texto, permito-me apresentar o seguinte excerto:
"A História da Resistência à Ditadura Salazarista é quase sempre hagiográfica, incerta e muito nebulosa quanto às histórias individuais: os critérios e os pontos de vista de natureza política, ideológica e partidária, condicionaram, deturparam, mutilaram ou mitificaram até hoje factos, relatos e até documentos a partir dos quais seria possível tentar contar as estórias dessa resistência.
Colectivamente, o colaboracionismo não é mais que humano resultado da sobrevivência individual. Como em França, durante a resistência ao nazismo, ou nos antigos países do Leste, durante o terror estalinista, não foram muitos os homens e as mulheres que, em Portugal, comprometeram as suas vidas no combate contra a ditadura. Nesse combate, é inegável que os comunistas portugueses ocuparam quase sempre um lugar destacado."
O que disse, e mantenho, na apresentação do 3º volume da biografia política de Álvaro Cunhal, da autoria de José Pacheco Pereira, é portanto a simples reafirmação de uma opinião, que tendo sido expressa publicamente em 2000, não sofreu, fosse de quem fosse, qualquer objecção ou reparo, como já foi referido. Espanta-me, por consequência, o parentético remoque do articulista do PÚBLICO, que, à semelhança de alguns insignes hagiógrafos, parece querer caçar bruxas onde não existem vassouras. A não ser que o simples facto de, agora, a minha opinião "coincidir" com a de José Pacheco Pereira passe a constituir suficiente matéria de anátema.

Luís Filipe Rocha, Cineasta, Lisboa

8.1.06

REFERÊNCIAS AO III VOLUME DA BIOGRAFIA NO "MIL FOLHAS" ( PÚBLICO, 7/1/2006)

EDUARDO PITTA
EDUARDO PRADO COELHO
JORGE DIAS DE DEUS

7.1.06

A FOTOGRAFIA QUE FALTOU NO III VOLUME

Quando visitei a Penitenciária perguntei se existia uma fotografia aérea actualizada. Disseram-me que,por razões de segurança,não existia e não era possível tirá-la. Agora o Google Earth permite-me colocar a fotografia da "estrela de seis pontas" que faltava.

DEZ MELHORES LIVROS DE ENSAIO DE 2005 (NO LIVRO ABERTO / "MIL FOLHAS")

O Suplemento do Público "Mil Folhas" publicou hoje a lista dos livros de ensaio considerados "melhores" numa votação realizada pelo Livro Aberto, o programa do Francisco José Viegas na RTPN.

Ensaio

1. Susan Neiman, "O Mal no Pensamento Moderno" (Gradiva) [135 votos]
2. George Steiner, "A Ideia de Europa" (Gradiva) [104 votos]
3. Rui Tavares, "O Pequeno Livro do Grande Terramoto" (Tinta da China) [112 votos]
4. Maria Filomena Mónica, "Bilhete de Identidade" (Alêtheia) [102 votos]
5. José Pacheco Pereira. "Álvaro Cunhal. Uma Biografia Política, vol. 3" (Temas e Debates) [97 votos]
6. Francisco Umbral, "E Como Eram as Ligas de Madame Bovary?" (Campo das Letras) [58 votos]
7. Eduardo Lourenço, "A Morte de Colombo. Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito" (Gradiva) [45 votos]
8. Isaiah Berlin, "Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade" (Gradiva) [44 votos]
9. H.L. Mencken, "Os Americanos" (Antígona) [124 votos]
10. Pietro Citati, "Israel e o Islão. As Centelhas de Deus" (Cotovia) [32 votos]

5.1.06

UMA CARTA DE LUIS FILIPE ROCHA AO AVANTE!, E AS "OBSERVAÇÕES" DE CASANOVA

Do Avante! de 5/1/2006:

«Cruzada de Revelações» - Esclarecimento

Ao abrigo da Lei de Imprensa solicito o seguinte esclarecimento:

No Avante! de 7/12/2005 o meu nome aparece referido no parágrafo final de um artigo intitulado «Cruzada de Revelações». O parágrafo é o seguinte: «Da mesma família, para pior, neste caso entrando já pelos enlameados caminhos da abjecção, é a prova de Luís Filipe Rocha, que leva ao pico a cruzada de revelações ao citar uma pessoa que já não o pode desmentir… Que tristeza! Que lástima!»

Pretendendo refutar a veracidade de uma citação, o colunista baseia-se numa afirmação falsa, não revela a citação e desfere um grosseiro insulto que indignadamente rejeito.
No passado dia 29 de Novembro, apresentei na Penitenciária de Lisboa, e com muita honra, o 3.º volume da «Biografia Política» de Álvaro Cunhal, da autoria de José Pacheco Pereira. Fi-lo, a convite do autor, na qualidade de cineasta, autor do filme «A FUGA» e autor do Argumento e Diálogos, integralmente aprovados pelo dr. Álvaro Cunhal, da série «ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS» .

Como toda a gente na sala ouviu, a começar pelos militantes do PCP que estavam presentes (de que destaco Jaime Serra e João Arsénio Nunes, com os quais no final estive a conversar), eu não apresentei prova nenhuma de coisa nenhuma, muito menos de possíveis execuções praticadas nos anos 50 por funcionários ou militantes do PCP. Referi apenas o que sobre o tema me foi dito pelo Dr. Álvaro Cunhal, e o contexto em que isso aconteceu: durante um encontro profissional e não pessoal. Acrescento agora que o fiz porque, em primeiro lugar, essa conversa não decorreu apenas a dois, e porque, em segundo lugar, o que foi dito pelo dr. Álvaro Cunhal confirma rigorosamente a posição «oficiosa» que, ao longo dos anos, foi defendida pelo PCP. Disse o dr. Álvaro Cunhal: que à época dos crimes estava preso e incomunicável, que nunca teve conhecimento nem considerava possível alguma decisão política de qualquer órgão do partido no sentido de matar fosse quem fosse, que não podia excluir que algum camarada mais impulsivo, em momento de grave perigo e grande tensão para o partido, pudesse ter decidido fazer justiça por suas próprias mãos.

Ou seja, a verdade é que a minha intervenção, citando as palavras proferidas pelo dr. Álvaro Cunhal numa conversa não apenas a dois, reiterou, mal ou bem, a posição «oficiosa» do vosso Partido. O que transforma o parágrafo que me é dirigido num puro e gratuito acto de terrorismo intelectual e moral, que eu julgava não fazer parte do actual ideário do PCP.

Luís Filipe Rocha

Três observações ( poderiam ser trezentas) à carta de Luís Filipe Rocha (LFR):

1 - Três dias antes do lançamento do livro de Pacheco Pereira, que LFR apresentou «com muita honra», um jornal de grande tiragem, gritava na sua primeira página: «Pacheco Pereira revela assassínio no Comité Central». Tratava-se da primeira etapa de mais uma operação provocatória contra o PCP, a juntar a muitas outras que, ao longo de quase 85 anos, assumiram formas diversas - desde a mentira, a calúnia, a intriga, a infâmia, até a actos de terrorismo intelectual, moral, político, bombista.

2 – A utilização por LFR, na apresentação do livro, de uma «conversa» com Álvaro Cunhal («conversa» na carta citada a itálico e sem aspas e duas vezes referida como «não apenas a dois») coloca, tão-somente, a questão de saber se, na abordagem de um tema com a gravidade do que estava em causa - e no contexto de mais uma operação provocatória contra o PCP - era legítimo tornar pública uma «conversa» tida com uma pessoa que já não é viva - Álvaro Cunhal, sublinhe-se – e que, utilizada como foi, se inseriu, objectivamente, quer LFR o quisesse quer não, na referida operação. A meu ver tratou-se de um acto inadmissível, inaceitável, eticamente condenável. LFR pensa que não. Paciência.

3 – LFR saberá, melhor do que ninguém, se, no contexto referido, teria trazido essa «conversa» a público caso Álvaro Cunhal fosse vivo. Se o fizesse, tenho para mim como coisa certa que Álvaro Cunhal teria alguma coisa a dizer. Porque não duvido (e não creio que alguém duvide) que Álvaro Cunhal não permitiria ver o seu nome envolvido numa campanha provocatória contra o PCP, como foi, de facto, todo o processo de lançamento do livro de Pacheco Pereira – que LFR apresentou «com muita honra».

José Casanova

III VOLUME - ERROS SOBRE JOAQUIM SANTOS SIMÕES

Isabel Santos Simões, filha de Joaquim Santos Simões, chama a atenção para erros existentes na referência que fiz a seu Pai no III volume da biografia de Álvaro Cunhal. Tem razão e aqui ficam corrigidos.

Joaquim Santos Simões não era “advogado vimaranense”, dado que “licenciado em Ciências Matemáticas, exerceu a docência toda a sua vida, para além de intensa actividade em diversas áreas, nomeadamente na política”. O qualificativo de “vimaranense” também não é inteiramente rigoroso dado que nasceu no Espinhal, distrito de Coimbra em 1923, embora o facto de ter vivido toda a sua vida adulta em Guimarães, para onde vai com 34 anos (em 1957) e permaneceu até à morte o possa justificar. Santos Simões tornou-se uma referência da oposição de Guimarães, em cujo nome participava em várias reuniões e comícios, sendo a sua casa local de reuniões clandestinas. A sua activa participação na vida associativa de Guimarães, tendo sido presidente da Sociedade Martins Sarmento, o tornou um vimaranense, pelo menos de adopção. Mas,de facto, não nasceu lá, pelo que a correcção fica feita. (Dados biográficos sobre Santos Simões podem ser encontrados nos ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.)

Tem igualmente razão quando menciona que o texto incluído no livro de Santos Simões, Braga Grito de Liberdade. História Possível de Meio Século de Resistência, (p. 77) é uma transcrição de autoria de Armando Bacelar e não do autor, pelo que a referência na pag. 3 do III Volume ( "A mesma informação foi confirmada pelas mulheres de Armando Bacelar e do advogado vimaranense Santos Simões. Ambos ouviram os gritos de Luísa Rodrigues e vieram à janela observando os presos."; nota: J. Santos Simões, Braga Grito de Liberdade. História Possível de Meio Século de Resistência, Braga, Governo Civil, 1999, p. 77 ; Armando Bacelar, Memória dos Tempos Idos, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, 1994), se refere apenas a Armando Bacelar.

Numa próxima edição estes erros serão corrigidos, pelo que agradeço a Isabel Santos Simões ter-me chamado a atenção para eles.

4.1.06

Rodrigues da Silva - A BIOGRAFIA DE CUNHAL NO JORNAL DE LETRAS



O terceiro volume da biografia política de Alvaro Cunhal (…) confirma o valor historiográfico dos dois anteriores. Confirmando também o rigor cientifico e a independência de análise de José Pacheco Pereira. Não só. Também da sua incapacidade de gerir a carreira académica. Imagine-se só que esta obra, que ultrapassou já as duas mil páginas, não lhe serviu sequer para tese de doutoramento. Fê-1a por gosto, a revelia da Universidade, como diz. Lendo-a, apetece dizer mais: é uma obra-prima.

Rodrigues da Silva


António Vilarigues - OS EQUÍVOCOS DE PACHECO PEREIRA

No Público de 2/1/2006

"A contestação da classe operária como a única classe verdadeiramente revolucionária, a contestação da sua missão histórica como coveira do capitalismo e criadora da sociedade socialista, a contestação do partido do proletariado de tipo leninista, tornam-se pontos centrais da ideologia e da actividade do radicalismo pequeno burguês de "opção socialista"".

(...) "No plano político, em vez do estudo objectivo e científico dos fenómenos sociais (possível somente na base do marxismo-leninismo), manifesta-se o subjectivismo, a tomada da parte como todo, a tomada de aspectos superficiais, derivados, acidentais e episódicos do desenvolvimento social como se fosse a raiz dos acontecimentos ou a força motora dos processos".

Estas palavras foram escritas por Álvaro Cunhal em Novembro de 1970. E publicadas clandestinamente em 1971 no livro Radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista. Dirigiam-se, entre outros, ao então "revolucionário" marxista-leninista-estalinista-maoísta José Pacheco Pereira. Assentam que nem uma luva ao actual "historiador", militante do PPD/PSD e defensor do capitalismo, JPP.
Não cabe no âmbito deste artigo a resposta, ponto por ponto, ao que PP tem vindo a publicar sobre Álvaro Cunhal e o PCP. Por um lado, porque partilho a tese do Álvaro que "Deturpações e falsificações não merecem em geral desmentido." (in ob. cit.). Por outro, porque entendo que os escritos de PP não são o fim da história. Outros virão...
Os três volumes até agora publicados de Álvaro Cunhal: Uma Biografia Política, têm dado origem a numerosos elogios, nalguns casos desmedidos. São José Almeida e Miguel Portas, para não citar outros, conhecem da história do PCP e da dialéctica da história o suficiente para não serem tão categóricos quanto aos méritos em causa.
Não está em causa a qualidade literária. É sabido que algumas das maiores falsificações da história foram servidas em belas prosas. Veja-se, p. ex., Plutarco sobre Cleópatra.
Não está em causa a capacidade de trabalho. Não me consta que os ideólogos mais retrógrados e reaccionários fossem preguiçosos ou pouco diligentes.
Não está em causa o acesso a arquivos. Que aliás o episódio Suslov bem demonstra. Nos arquivos soviéticos não figuram as suas deslocações ao estrangeiro. E no entanto elas tiveram lugar!
Não estão em causa as fontes. Privilegia-se Vasco Carvalho e a PIDE? É uma opção que nem sequer é virgem.
O que está então em causa? Não é certamente a forma, que é de elevada qualidade.
A questão é de conteúdo. PP não utiliza o método dialéctico, mas sim o silogístico. Não parte da análise concreta da realidade concreta para as conclusões. Não distingue o essencial do secundário. O seu percurso é precisamente o inverso.
Para PP há uma série de teses por ele criadas de antemão que há que demonstrar obrigatoriamente:
- A História do PCP está por fazer. Por parte do PCP, o que existe é sobretudo hagiografia, pontuada por algumas histórias de santos, mártires e vitórias, e por isso mesmo cheia de ensurdecedoras lacunas (Luís Filipe Rocha dixit, mas podia ser PP).
- No PCP houve sempre luta pelo poder. Ela teria sido mesmo o fio condutor da sua actividade política.
- Dirigentes com capacidade só os de origem intelectual (Cunhal e Fogaça). Os outros eram meros tarefeiros.
- O papel da PIDE e da repressão durante o fascismo, nomeadamente no dia a dia dos comunistas, são questões secundárias. Ou quase.
- A verdade é só uma: o PCP não fala verdade. PP sim!
Os factos não correspondem, no essencial, a este esquema? Citemos de novo Álvaro Cunhal:
"Os teorizadores pequeno-burgueses fazem afinal como o maledicente da fábula, que, criticando o projecto de uma casa e pretendendo "provar" que a casa era par toupeiras e não para homens, escondeu que no projecto estavam indicadas largas janelas; e logo afirmou que os arquitectos eram uns utopistas ao indicarem janelas no projecto, pois as toupeiras jamais construiriam casa semelhante. Contra tais argumentos batatas!".
Como o biografado é Álvaro Cunhal deixemo-lo desmontar algumas das teses queridas a PP e que perpassam linearmente pelos 3 volumes:
Em Junho de 1971 a Revista Internacional publicou um artigo de AC "Algumas experiências de 50 anos de luta do PCP". PP certamente que o leu.
Nele se apontam as razões do êxito do PCP: partido operário; marxista-leninista; capacidade para se colocar à frente das lutas dos trabalhadores e das massas populares; criação e consolidação da organização clandestina; recurso a formas legais e semi-legais de organização e acção; ter forjado sucessivas gerações de militantes revolucionários; defensor do socialismo e da causa internacional da classe operária.
Mas em relação a todos estes pontos e a cada um deles Álvaro Cunhal aponta os erros cometidos. "Ilude-se e ilude os trabalhadores, qualquer partido que pretenda que nunca erra ou pretenda esconder os próprios erros.". E mais adiante "Na vida do nosso Partido pagámos caro alguns erros".
Segue-se uma extensa lista de erros de análise política, de trabalho conspirativo, de métodos de acção e de organização. Ao longo de 50 anos.
O texto escolhido foi este. Mas podia ter sido o Rumo à Vitória, A tendência anarco-liberal no trabalho de organização, os relatórios da actividade do CC ao III, ao IV ou ao VI Congresso. Neles se encontra sempre a mesma análise dialéctica: sucessos e erros, vitórias e derrotas, avanços e recuos, heróis e traidores. Hagiografia? Só para rir!
Das duas uma. Ou o retrato resumido de 50 anos de PCP elaborado por Álvaro Cunhal é uma falácia completa e uma mentira pegada, ou as coisas não se poderiam ter passado como PP nos que fazer crer. Ou ainda, dirão alguns, algures no meio é que está a verdade.
Luta pelo poder para quê?
O PCP era um partido clandestino. Perseguido pelo regime fascista e pela PIDE. Os seus dirigentes e militantes eram assassinados. Ou presos, torturados e condenados a longos anos de prisão. Quanto maior a responsabilidade maior a pena de prisão.
A alternativa era desistir da luta, denunciar camaradas, passar-se para o inimigo. Houve, obviamente, quem o fizesse.
Lê-se PP e fica sem se perceber onde ficava espaço, mesmo temporal, para organizar o PCP, a luta dos trabalhadores, as greves, as manifestações, a distribuição da imprensa clandestina, o derrube do fascismo. Seria apesar de? Especialista em sistemas de comunicação

NOTA: desconhecia a novel capacidade de Miguel Portas para o chavão fácil. Chamar estalinista à nota do Gabinete de Imprensa do PCP é tão anacrónico e redutor como chamar provocador a Pacheco Pereira por nas reuniões estudantis da Academia do Porto fazer discursos inflamados sem ir parar aos calabouços da PIDE.

Tiago Mota Saraiva - CRÍTICA AO III VOLUME DA BIOGRAFIA DE CUNHAL

No Random Blog02:

NOTA PRÉVIA

Pelo Natal, recebi o último volume editado da Biografia de Álvaro Cunhal escrita por José Pacheco Pereira (JPP). O historiador do Abrupto, tem vindo ao longo dos anos a recolher inúmera informação para a construção da biografia de Álvaro Cunhal e da história do PCP, o que fica patente nos seus dois blogues Álvaro Cunhal uma Biografia Política - o blog do livro e Ensaios sobre o comunismo, e outros livros publicados. Embora me tenha lançado ao livro com alguma avidez, o final do ano apenas me foi permitindo ler uma centena das 748 páginas. Contudo nestas primeiras cem páginas o PCP já foi responsável pela morte de umas quantas pessoas, e é sobre isso que quero escrever:

A parcialidade e o rigor científico não são conceitos que se aniquilem em textos como o deste livro - com o cariz de ensaio académico. Quero com isto dizer que, o investigador quando inicia uma pesquisa sobre um determinado tema até pode partir (e às vezes ajuda) com uma ideia preconcebida daquilo que se quer provar. Ou seja, não me choca que JPP, quando se lhe pôs o problema da justificação de alguns desaparecimentos/mortes de militantes comunistas, tenha partido do pressuposto que teria sido o próprio partido a cometer os homicídios.
Neste aspecto a tese de JPP é clara e está patente numa das primeiras páginas do livro: "Algures, durante o ano que se seguiu à prisão de Cunhal, o núcleo restritíssimo de dirigentes que controlavam o PCP tomou a decisão de executar os militantes envolvidos nos casos que lhes pareciam mais graves de "traição" - pp. 60. A partir da enunciação da tese, JPP passa a descrever algumas mortes que atribui a decisões dos dirigentes do PCP então no activo, enunciando detalhadamente um conjunto de fontes e documentos que corroboram a sua tese.
Não me interessa questionar a veracidade da tese de JPP, pois estas não são as minhas áreas privilegiadas de investigação. O que quero questionar são as fontes que o historiador utiliza para a suportar. Um factor determinante para se chegar a uma tese com algum rigor científico no campo da história contemporânea, e o JPP sabê-lo-á melhor do que eu, é a capacidade de cruzar informação, fontes, testemmunhos e documentos de diferentes proveniências, para que a premissa da qual se partiu passe de "possibilidade" a "certeza". Na minha opinião esta tese não se encontra bem defendida.
JPP diz: "Uma análise mais rigorosa do que se conhece sobre os assassinatos e as tentativas de assassinato, ocorridos de 1950 a 1974, baseada nos documentos e nos testemunhos da época não permite dúvidas sobre a responsabilidade do PCP nesse actos."- pp. 63.
A fonte primária de JPP, são os documentos dos arquivos da PIDE que justificam plenamente a sua tese, na qual tem especial importância as "Memórias de um Inspector da PIDE" de Fernando Gouveia - que nas palavras do autor era um especialista a lidar com comunistas pela forma expedita e violenta como levava os interrogatórios. No interior do PCP o historiador encontrou documentos da época que revelavam preocupações relativamente a possíveis elementos afectos ao regime infiltrados nas células e na direcção do partido, mas nenhum documento em que se possa extrapolar para ter existido uma decisão por parte da direcção de assassinato de um qualquer suspeito de "traição".
Relativamente a ex-militantes do PCP, só os que aparecem citados em interrogatórios pela PIDE, é que assumem a responsabilidade do partido nos assassinatos. Outros ex-militantes, como Rui Perdigão, defendem a não veracidade da tese que JPP defende.
Ora de uma leitura atenta das fontes temos que, apenas nos documentos e testemunhos que passaram pelo crivo da polícia do antigo regime se pode encontrar referências à responsabilidade do PCP nas mortes enunciadas. Desta forma a tese de JPP, e mais uma vez refiro que o meu propósito não é contrapor com outra tese, aparece-nos documentada com fontes que, para além de serem pouco fidedignas (pois sabe-se que muitos documentos da PIDE eram apenas propaganda) não se conseguem cruzar com todos os outros testemunhos que o autor registou.

29.12.05

III VOLUME - CIFRAS E CRIPTAS

(...) comecei a ler o 3 volume e na página 9 do livro em referência a mensagens cifradas utiliza a palavra "encriptada". Este termo não pode ser utilizado neste contexto pois uma cifra não é uma cripta (...), espero que este lapso seja corrijido em futuras edições."

(Gonçalo Carvalho)

II VOLUME - O PRÉMIO NOBEL ANTES DE O SER

Manuel Correia no Egas Moniz:

A primeira entrada de Egas Moniz no território biográfico que Pacheco Pereira delimitou, encontra-se no 2º volume da biografia: JPP, (2001), Álvaro Cunhal. Uma biografia política - «Duarte», o dirigente clandestino (1941-1949), Vol. II, Lisboa, Temas e Debates.

Reza assim, a páginas 808:

Assim, em Março de 1947, a CC do MUDJ, numa circular confidencial, lançava uma campanha para recolha de 20.000 assinaturas destinadas a patrocinar uma homenagem a Norton. De forma críptica, dizia-se «tratar-se de uma iniciativa de maior alcance político, da qual podemos tirar várias conclusões, altamente agradáveis para nós» {nota 39: a comissão central do MUDJ, circular extraordinária às comissões (confidencial), 11 de Março de 1947.} no entanto, o nome do General não suscitou consenso desde o início e, na oposição não comunista, Sérgio, parte do PRP e Cunha Leal opuseram-se. As razões não eram coincidentes e espelhavam divergências que já vinham de trás, mas somente Cunha Leal se manteve tenaz na sua atitude de recusa.


António Sérgio pretendia a candidatura de um militar moderado no activo, ligado ao regime, Costa Ferreira, ou o Prémio Nobel da Medicina Egas Moniz, considerando as mais abrangentes e mais capazes de mobilizarem áreas fora da tradicional oposição {nota 40: Secretariado do PCP, Alguns aspectos da actividade do sr. A. S. Contrárias à Organização do Conselho Nacional, Agosto, 1948}.

Esta passagem é interessante a vários títulos. Salienta as clivagens existentes nas oposições ao regime fascista, mostrando quão complicadas já eram, por esses tempos, as coisas nestas paragens; chama a atenção para a demarcação comunistas/não comunistas; e comete um pequeno deslize de carácter anacrónico: trata Egas Moniz como Prémio Nobel, coisa que só virá a verificar-se mais tarde, em 1949. É inteiramente compreensível o deslize. Poder-se-ia até, se necessário, em favor de Pacheco Pereira, sustentar que, escrevendo nós sempre no presente, não é de espantar que colemos aos actores históricos as qualidades que já sabemos que eles virão a adquirir num futuro não muito longínquo. É claro. No entanto, aqui fica a reflexão.

III VOLUME - "NEGRITUDE"

(...) lendo (...) o seu último livro, verifiquei na página 532, um pequeno erro, pouco relevante considerando o conjunto do trabalho que forneceu. No segundo parágrafo da página 532: "...a primeira a receber forte influência dos movimentos animados por Senghor com a publicação do Orphée Noir e, mais tarde, por Aimé Césaire, "da negritude".

A palavra “negritude” é um neologismo, criado pelo poeta martinicano, Aimé Césaire, em 1939, num longo e belíssimo poema intitulado « Cahier d’un retour au pays natal », publicado na revista Volontés 10 e integrado na antologia organizada por Léopold Sédar Senghor e publicada em 1948, intitulada: Anthologie de la Nouvelle Poésie Nègre et Malgache. Para o eu – poeta, a negritude significa a acção e a força pela negação, reiterada sob a forma de anáforas ao longo do poema. A negritude corresponde a uma consciência e valorização da cultura negra. Para Senghor, a palavra transforma-se em verbo, logo é a palavra em acção.

(Ana da Palma)

20.12.05

LUIS FILIPE ROCHA - APRESENTAÇÃO DO III VOLUME DA BIOGRAFIA DE CUNHAL (ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE LISBOA, 29/11/2005)


Na sua brevíssima introdução a este 3º volume da biografia de AC, o JPP afirma: “sem a história do PCP e a história da oposição ao regime ditatorial, Cunhal não pode ser «explicado» na sua biografia política”.

Portanto, o aviso é claro: a obra trata de 3 percursos históricos:

A História do PCP: que, como sabemos, está por fazer. Por parte do PCP, o que existe é sobretudo hagiografia, pontuada por algumas histórias de santos, mártires e vitórias, e por isso mesmo cheia de ensurdecedoras lacunas, e fora do PCP, embora existam obras sobre o PCP, uma sua história está de facto por fazer. Para além da história política de Álvaro Cunhal, o JPP, em meu entender está a fazê-la. Como ele diz, não é definitiva, nunca será, terá também as suas lacunas e os seus erros, mas em minha opinião é a primeira vez que está a ser feita com este fôlego e este acervo de informação e análise.

A História da Oposição Democrática ao Estado Novo - que não tem sido feita porque aquela que está a ser elaborada é a história dos vencedores...

A Biografia Política do dr. Álvaro Cunhal - talvez a personalidade/personagem da história portuguesa do séc. XX com mais destacada dimensão mítica. Nesse sentido será também das poucas personalidades/personagens do século XX português com dimensão épica, no sentido tradicional do épico: heróico e de grandeza e intensidade fora do comum. No prefácio ao seu 1º Volume, o JPP implicitamente partilha desta visão ao explicar a razão de ser desta obra. (E já gora: nesse prefácio o JPP anuncia que a obra será constituída por 3 volumes, e que o 3º começará com a fuga de Peniche. Pelos vistos, quer o editor, quer nós leitores, já ganhámos pelo menos um volume, uma vez que este 3º, com 730 páginas termina precisamente com a Fuga de Peniche)

Passemos então ao livro:

Em primeiro lugar, para mim, como leitor e como cineasta, destaca-se de toda a obra uma característica decisiva: ao fôlego do investigador exigente e sistemático e do pensador lúcido e rigoroso, junta-se o talento de um narrador, que sabe contar as histórias dentro da História, que sabe retratar pessoas de carne e osso, ambientes, épocas particulares e contraditórias, os seus conflitos, dramas e iniquidades, vividos e intensos, que sabe sobretudo cruzar narrativamente de uma forma muito activa e tecnicamente escorreita materiais muito diversos: relatórios das mais variadas origens, depoimentos, fotografias, reproduções, documentos vários e textos ficcionais, poesia, referências teóricas diversas, etc. Como o próprio JPP afirmou no prefácio ao I Volume, esta obra também pretende contar “as vidas concretas das pessoas concretas”. E é por isso que a sua leitura nos proporciona, para além de um olhar único e original sobre o séc. XX português, um enorme prazer que só as grandes narrativas nos proporcionam.

Em segundo lugar, vejamos, numa aproximação estatística, como se arrumam neste 3º Volume os três percursos históricos enunciados:

Como vimos o livro tem 730 págs., divididas por 15 caps. Apenas 5 caps., num total de 220 págs, respeitam directamente ao dr. AC. Exactamente 30% do livro. Os outros 70% são história do PCP (7 caps e 330 págs - 45%) e história da Oposição Democrática (3 caps. 180 págs. - 25% - dessas 180 págs, 120 são dedicadas aos anos 1957-59, ou seja às eleições presidenciais e ao “furacão” Humberto Delgado).

Portanto: 1º - Histª do PCP com 45%

2º - AC com 30%

3º - Oposição Democrática com 25%

Assim sendo, vejamos em breve síntese como se arrumam as Histórias conjuntas do PCP e da Oposição democrática ao salazarismo:

Um 1º período, que ocupa quatro capítulos, o 2º, o 3º, o 6º e o 7º, respeita aos anos de 1949 a 1952:

- nesse período é-nos apresentada a história turbulenta de 4 anos terríveis e desastrosos para o PCP: a enorme e catastrófica vaga de prisões que se segue à de Cunhal, num dos maiores desastres conspirativos de sempre, que levou ao recuo da acção e da organização do Partido; (referir o insp. Gouveia e o seu livro, que AC considerava bem feito e importante para perceber o PCP)

- a ascensão de Júlio Fogaça ao Secretariado (lembrar a oposição Fogaça-Cunhal);

- as eleições de 1951 e os conflitos habituais entre candidaturas de oposição ao salazarismo, (uma constante da esquerda portuguesa que pelos vistos dura até hoje...) em 51 a disputa deu-se entre a candidatura de Quintão Meireles e de Ruy Luís Gomes;

- as grandes purgas levadas a cabo pelo PCP: de dirigentes, funcionários e militantes, e de intelectuais, à volta das revistas LER e VÉRTICE: os casos de Piteira Santos e Lyon de Castro, Mário Dionísio, João José Cochofel e Fernando Lopes Graça. Uma página negra da história do PCP, como terá sido também a das mais que prováveis execuções levadas a cabo nessa época, e que o JPP conta e analisa com detalhe. (Sobre a “Ordem de matar”, como lhe chama o JPP, eu próprio falei com o dr. AC: relatar conversa) - Sobre as execuções ler passagem do livro na pág. 63.

Tão negra como a página das execuções é a seguir a página em que o PCP reescreve a biografia de um dos mortos, Manuel Domingues, ex-dirigente a que são atribuídos indiscriminadamente traições e desastres, que o próprio AC mais tarde declara não acreditar...

- Ainda nessa época, dá-se a efectiva traição de um dirigente importante membro do CC, Mário Mesquita, que o JPP conta e analisa com detalhe: os danos dessa traição foram de novo enormes no Partido.

Vem depois um 2º Período, constituído por outros 4 capítulos (8º,9º,11º e 12º), que cobre os anos de 1953 a 1958, e do qual destaco:

- em 1º lugar a morte do, na época, muito chorado “camarada” José Estaline, em Março de 1953 e das repercussões que essa morte teve não só no PCP como em todo o então mundo comunista;

- o estabilizar da ascensão de José Fogaça na Direcção do PCP, que tendo progressivamente afastado ou isolado os seus adversários, reforçou o seu poder pessoal na Direcção do P. por estes anos (referência do JPP em relação ao poder pessoal no PCP, seja de Fogaça seja de Cunhal: nunca foi completo...). Essa estabilização do poder em Fogaça, permite-lhe elaborar e fazer aprovar o 1º Programa do PCP (escrito entre 1953-54), algo que o próprio Cunhal não tinha ainda tentado fazer. A discussão desse programa e a revisão da política de unidade com a oposição democrática leva aliás a nova purga, que inclui Cândida Ventura, João Rodrigues e José Lopes Baptista: os 3 acusados de uma infracção recentemente aparecida: fraccionismo.

- é tb. por volta de 1953-54 que se inicia o culto da personalidade e da mitologia à volta de AC: o JPP destaca como raízes desse culto, um texto hagiográfico de Jorge Amado, um exaltante poema de Pablo Neruda (“lâmpada marina”) e uma Biografia de Álvaro Cunhal, da autoria de Fogaça (terá sido aliás uma peça importante da sua estratégia de ascensão e afirmação).

- as mudanças na URSS, com KRUTCHEV como secº-geral do PCUS, e as novas orientações políticas de distensão na guerra fria e de liberalização interna, levam tb. a uma significativa viragem política do PCP: procede-se oficialmente à correcção do “desvio de esquerda” e “ao combate ao sectarismo”. Essa mudança política produz oscilações ideológicas, ora à esqª ora à dirª, durante 2 ou 3 anos. Finalmente, ainda na URSS, em Fevº de 1956 realiza-se o XX Congresso do PCUS e Krutchev apresenta o relatório dos crimes de Estaline. As consequências no mundo comunista são as de um tsunami, e o PCP, embora nunca tenha publicado esse relatório, assume as suas consequências, sobretudo numa alteração profunda da política de unidade com a Oposição Democrática, com a proposta de uma Frente Anti-Salazarista e da “Reconciliação da família portuguesa”. Uma reduzida reabilitação de alguns militantes e quadros alvos das purgas do início da década é feita, como gesto de boa vontade e de abertura de novos horizontes de unidade...

- em Outº de 1956 a Revolta Húngara e a consequente invasão dos tanques soviéticos provoca as primeiras importantes cisões nos sectores intelectuais de alguns países da Europa. Em Portugal, e embora o PC tenha dificuldade em explicar a invasão soviética, os seus efeitos não são significativos.

- todos estes acontecimentos constituem a matéria principal para o V Congresso do PCP, realizado em plena clandestinidade, numa moradia do Estoril, durante uma semana, em Setembro de 1957, juntando cerca de 60 pessoas. (Os detalhes da preparação, da localização, da segurança, do próprio décor e das discussões constitui, para mim, um dos mais fascinantes capítulos do livro. O JPP consegue colocar o leitor dentro do próprio Congresso...)

- por último, em relação a essa época (1956-58), o JPP narra-nos detalhadamente a emergência da Questão Colonial, apresentando-nos um quadro muito detalhado da pré-história dos Movimentos de Libertação das Colónias e do papel dos seus principais dirigentes, em instituições como a Casa dos Estudantes do Império, o Clube Marítimo Africano, o Centro do Estudo Africano. Alguns dos homens e das mulheres que vieram a dirigir o MPLA, a FRELIMO e o PAIGC aparecem nesta época, contando com uma activa colaboração do PCP, que como sempre tenta dirigir politicamente, mas vais ser ultrapassado seja pela dinâmica anti-colonial dos movimentos seja pelas relações directas que alguns deles estabelecem com o PCUS.

E chegamos ao 3º e último período, que começa em 1958 e vai até ao início de 1960, e ocupa dois fascinantes capítulos (13º e 14º), integralmente dedicados às eleições presidenciais de 1958 e ao “furacão” Delgado. Trata-se, para mim, de uma das partes históricas mais vivas e mais interessantes de todo o livro, e mais actuais, não só porque respeita a uma época e a acontecimentos que marcaram um Antes e um Depois na história da Ditadura e da Resistência, marcas que ainda hoje são perceptíveis na nossa vida política, mas também porque é vivida com uma intensidade popular só comparável à do 25 de Abril de 1974. Ao longo de 130 páginas, que se lêem de um fôlego, o JPP conta-nos as vicissitudes das diversas candidaturas de oposição a Salazar e ao seu candidato almirante Américo Tomás (que eleito em 1958 só será deposto pelo golpe de 25 de Abril de 1974), desde a falsa partida e os jogos de bastidores da não consumada campanha de Cunha Leal, à aparição do Gen. Humberto Delgado (proposto por António Sérgio e Henrique Galvão), à candidatura de recurso para o PCP de Arlindo Vicente, a sua posterior desistência e o Pacto de Cacilhas com Delgado, as grandes manifestações do Porto e de Lisboa, a repressão cada dia mais dura e brutal, e o DIA SEGUINTE, para o quel nem o PCP nem a Oposição Democrática se tinham preparado e que após um curto movimento grevista, foi preenchido por dezenas de prisões e pela perseguição a Delgado até o empurrar para o exílio.

É este o pano de fundo histórico que o JPP nos apresenta como as voltas que o mundo foi dando durante os 11 anos que o dr. Álvaro Cunhal esteve preso. Olhemos, por fim, para essa prisão (que o JPP analisa nos caps. 1º, 4º, 5º e 10º).

A 1ª Frase do Livro é muito curiosa, porque é uma frase crística: “Estava consumada a prisão.” No Evangelho 2º S.João, o mais belo dos 4: “quando Cristo tomou o vinagre, disse: está consumado. E inclinando a cabeça, entregou o espírito.” O “martírio” de AC vão ser 11 anos de cadeia, “uma das penas políticas mais longas do séc. XX português, só ultrapassada pela de outros comunistas” (JPP no fim do livro). (embora o isolamento não conste dos outros...)

Após a prisão (25 de Março de 1949) e depois de uma breve passagem pela sede da PIDE no Porto (rua do Heroísmo. Se usasse tal toponímia num filme seria tomado por propagandista!) Militão Ribeiro e Cunhal são transferidos para aqui, para a Penitenciária: preparação das celas do 3º varandim da ala C, sujeição a um regime de isolamento total e incomunicabilidade, regime que era completamente invulgar na época e invulgarmente duro como se imagina. AC terá cumprido 14 meses de prisão incomunicável, mais 8 meses de quase isolamento. Penso que esses números são únicos. A má alimentação e a depressão enfraqueceram ainda mais os dois homens.

Director da Cadeia vs. PIDE. (chega a expulsar da cadeia o chefe de brigada que impediu AC de receber material de escrita: em Novembro, 8 meses depois de ser preso!

Em Janeiro de 1950, com 53 anos e 37 quilos Militão morre.

JPP refere a evocação dessa morte por parte de AC à jornalista soviética Petrova e ficcionando-a no seu livro A ESTRELA DE 6 PONTAS. A morte de MR é também ficcionada no ATC, na descrição da morte da personagem Cesário. Na morgue, a mulher e duas camaradas enfrentam o cadáver e descobrem “um bilhete escrito com tinta acastanhada que mais tarde alguém disse ser sangue”. Cunhal refere a Petrova que não concordava com Militão ter deixado de comer e que se pudesse ter falado com ele o teria exortado a comer. A morte de MR é triste e inglória. E por certo afectou AC, doente e enfraquecido também. Apesar do seu estado e do seu isolamento AC prepara, essencialmente de memória, o seu julgamento. Escolhe o próprio pai, Avelino Cunhal, para advogado (vem a ser assistido pelo dr. Luís Francisco Rebelo).

2 e 9 de Maio: duas sessões de julgamento, no Tribunal Plenário de Boa-Hora, penso que na sala onde foi filmada a cena do julgamento de A FUGA. A sala estava cheia: de PIDEs e polícias à paisana e de gente de Esqª

Detalhe: em curta conversa com amigos fica a conhecer a vitória dos comunistas chineses que tinha ocorrido 7 meses antes e que ele desconhecia!

Fala mais de 10 horas nos dois dias da audiência e transforma a defesa em acusação e em propaganda: fala para os seus camaradas, para quem o possa “ouvir”, sobretudo para a história. Segundo JPP tratou-se de “uma das intervenções de maior ortodoxia de toda a sua vida.” Da longa análise que JPP lhe concede, retiro a defesa do socialismo, da URSS e das Democracias Populares, no contexto do início da Guerra Fria e da nova política da “paz” do Cominform, fala no perigo duma nova guerra, critica a criação da NATO (que marca o fim de um eventual isolamento de Salazar) e arrasa o salazarismo.

No final do seu discurso de defesa proclama-se FILHO ADOPTIVO DO PROLETARIADO. Penso que o foi até à morte, que ocorreu, em meu entender, muito para além da morte dos seus pais adoptivos.

Foi condenado a 4 anos e meio de prisão maior celular ou, em alternativa, 6 anos e 9 meses de degredo. Pena surpreendentemente leve. O STJ agravou-a, diminuindo a prisão maior celular para dois anos mas seguidos de 8 anos de degredo, em alternativa 12 anos de degredo, e aplicando medidas de segurança por 1 ano.

Como escreve JPP: “Cunhal regressa à Penitenciária sabendo que não vai tornar a ser livre tão cedo.”

Para nos falar da experiência carcerária de AC, e para além da citação de textos do próprio Cunhal, JPP convoca Camilo Castelo Branco (que o próprio AC terá lido na cela), Gramsci e Pavese (dos 3, o meu preferido). São páginas de análise fina e sensível, a que se juntam referências fascinantes às gravuras de Piranesi e ao Panopticon, obra de Bentham, teoria que influencia o tipo de cadeia que é esta Penitenciária. O isolamento do prisioneiro é-nos relatado através de uma montagem muito sensível de textos e reflexos que nos aproximam da claustrofobia que aqui reina. Ficamos também a conhecer o encontro de Cunhal com Galvão, que por aqui passou em 1953, as leituras em várias línguas, os estudos e escritos teóricos (sobre política e história, sobre arte e literatura) bem como a própria criação artística (literária e pictórica) a que AC se dedicou quando, quase 1 ano depois de ser preso, poude finalmente receber livros e materiais de escrita e de desenho. (Incluir a tradução do “Rei Lear”) JPP Descreve-nos também as estratégias contra a solidão (a ginástica sueca, de que AC, 2º JPP era adepto, um jogo de xadrez feito com pão, um avião de papel)... e finalmente, quando AC passa para a Enfermaria, as relações com os presos comuns. O próprio AC dará conta de tudo no seu livro “A Estrela de 6 Pontas”.

Em 24 de Janº de 1956 AC termina a pena, mas através das célebres medidas de segurança sabe que essa pena pode ser renovadamente perpetuada.

A lei exigia ao preso a abjuração política para se libertar das medidas de segurança, e quem analisava a declaração e decidida era a PIDE. Em 4 declarações que faz (e que para mim, como penso que para muitos de vós, são uma completa novidade) AC contorna a abjuração (absolutamente impensável para um comunista que se preze) admitindo indirectamente abandonar a actividade política e reorganizar a sua vida privada: na 1ª admite fixar residência em Lisboa, doutorar-se e eventualmente constituir família; na 2ª admite exilar-se no México ou no Uruguai; na 3ª manifesta o propósito de não desenvolver quaisquer actividades contrárias à segurança do Estado; e na 4ª propõe afastar-se de ligações e contactos de natureza política. Estas declarações são não só surpreendentes como, em meu entender, humanizam a figura de AC, para quem a experiência carcerária, sobretudo aqui na Penitenciária, terá sido como é óbvio brutal. Como é que os autos destas declarações sobreviveram à limpeza dos arquivos da PIDE é também curioso...

Em fins de Julho de 1956, após 7 anos de Penitenciária, AC é transferido para Peniche. Aí, não só regressa a um certo convívio, sempre restrito, condicionado e vigiado, mas apesar de tudo convívio com outros presos políticos, e regressa tb. ao Partido. Como descreve JPP, é um AC de cabelos brancos, envelhecido nos seus 42 anos, que regressa ao seio dos seus camaradas.

Ler passagem págs. 438/439 sobre quadro que a mãe lhe pede: um Cristo.

Sobre os 5 anos de Peniche (interrompidos por uma estadia em 1958 de novo aqui na Penitenciária, mas na Enfermaria), o retomar da luta partidária em conflito aberto com a Direcção de Fogaça, que virá a ser implacavelmente criticada pelo seu “desvio anarco-liberal”, e o intenso período criativo sobretudo nos desenhos o melhor é lerem as páginas do JPP, porque elas são fascinantes e reveladoras.

No total, AC passou 11 anos na prisão: como destaca JPP, AC esteve preso dos 35 aos 46 anos: “o período de pujança da idade adulta ficou para sempre soterrado nos anos da cadeia”.

No dia 3 de Janº de 1960, depois de quase 1 ano de preparação, Cunhal e 9 outros camaradas, fogem do Forte de Peniche, naquele que JPP considera ter sido um acontecimento ímpar na história do movimento comunista. Não vou desvendar nada dessa fuga, que ocupa o 15º e último capítulo deste livro, mas se vos disser que ela começou ao som da Sinfonia Patética de Tchaikovski, estou apenas a dizer-vos que esse capítulo final é por si só um grande filme.

Obrigado.